terça-feira, maio 27

Impedimento

Descobri que faço parte de uma das minorias de excluídos do Brasil. Faço parte da pequena parcela de brasileiros que tem completa aversão ao futebol. Nada de Cruzeiro, Atlético, Vasco. América, só mesmo se for o continente. Não gostar de futebol vivendo no Brasil é como não gostar de pizza na Itália, uísque na Escócia ou de chocolate, morando na Suíça. É como suprir uma antipatia por Fidel Castro, tendo que viver em Cuba.

Em meio a Parreira, Levir Culpi, Zagallo, Felipão, pênalti, meio-de-campo e centroavante, fico perdida, completamente bombardeada por termos com os quais não tenho nenhuma intimidade. No Brasil, para muitas pessoas, o documento de identidade tem menor valor que a carteirinha do time do coração. É com ela que a maioria dos brasileiros se identifica, diz ao mundo quem é. E é nesse momento que cada amante da chamada arte do futebol bate no peito e proclama, por exemplo: “Sou Vasco”.

Essa identidade é quase uma segunda pele, amor cultivado aos poucos em banho-maria e com pretensões de eternidade. Se por acaso o time do coração é rebaixado, o torcedor sente na própria alma a dor do rebaixamento. E tudo aquilo que ele fez pelo time? E aquela tarde em que ficou rouco de tanto gritar para que Ronaldinho deixasse de ser fominha e dividisse aquela bola?

Se não fosse por ele, se não fosse pelo fato de ele ter se matado pelo time, nunca teriam chegado à 1ª divisão. “É tudo culpa daquele técnico”, pensa. Se ele fosse o técnico – o torcedor – o time não teria sido rebaixado. Ele colocaria fulano como centroavante, sicrano como ponta-esquerda, beltrano como atacante e, pronto, o problema estaria resolvido. “Como pode existir um técnico tão burro que tira beltrano bem no jogo decisivo?”, questiona.

Em ano de Copa do Mundo, minha situação é ainda pior. A Bandeira do Brasil reaparece e o verde-amarelo vira uniforme nas ruas. Não há como fugir. Os bancos só funcionam nos intervalos de um “goooooool” interminável; nos bares, só se ouve falar de Neymar e Felipão; e a cerveja é a coadjuvante de uma torcida que só tende a aumentar. Por todo lado respira-se futebol.

Onde quer que esteja, sinto-me sufocada por um ar tóxico que não posso deixar de respirar. Sabem dizer o tamanho da coxa do Hulk, mas ninguém se lembra do tamanho da fome no país. O comportamento é quase sempre o mesmo: banalidades como PCC e guerra civil são postas de lado em nome da supremacia do futebol.

Afinal, não vivemos no melhor país do mundo? Não somos o único país pentacampeão? E vai-se assim distribuindo estrelas: uma estrela para o medo, uma estrela para a fome, uma estrela para o crime organizado, uma estrela para a guerra, uma estrela para o tráfico. Vive-se quase que em uma constelação em que Deus é brasileiro e PCC passa a significar não mais que “Parabéns Cacá!”.

À margem do Mineirão, do Maracanã, do Morumbi, do Pacaembu, da Galoucura, da Máfia Azul ou dos demais bilionários superestádios brasileiros, estou eu, que não sou nenhuma pobre “manchinha verde” em meio à massa, que tem verdadeira devoção pelo futebol.

Só me resta, então, pedir a Deus que me conceda um domingo em que Atlético e Cruzeiro, Palmeiras e Corinthians, Fla e Flu não invadam a minha sala, mesmo que seja através da televisão. Espero que essa ponte com Deus não seja feita por intermédio de São Jorge (padroeiro do Corinthians), porque aí, antes mesmo do pedido, já seria apitado mais um impedimento.

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