Independentemente de opções
partidárias, sempre que ouço os ataques à fala da presidente Dilma, a questão
sobre qual é a importância, para um país cujas bases são escravagistas e que
tem como um dos pilares o machismo, da primeira figura feminina no cargo de
maior representatividade do país, me vem à cabeça.
Ao que parece, a imagem de
poder feminino, aciona o histórico do patriarcalismo brasileiro que, por mais
que nos esforcemos para superar, ainda persiste: a figura feminina no poder
confronta o machismo fundante da nossa sociedade patriarcal. Muitas das vozes
que fazem coro contra a presidente Dilma parecem entoar um contradiscurso não
somente às políticas que rasuram a manutenção de privilégios angariados por uma
elite ao longo de séculos, mas principalmente, à imagem de mulher que ela
representa. O Brasil patriarcal não sabe como lidar com a figura feminina que
foge aos padrões historicamente construídos e calcados no preconceito. Se o problema fosse somente de ordem
política, as muitas vozes que se emergem, contrariamente ao discurso da
presidente, combateriam as propostas e implementações das políticas do governo,
mas o que se vê é que, para além de guerrear contra as políticas afirmativas do
governo, há explicitamente, um ataque a representatividade feminina no poder.
Atacam-se não somente as políticas públicas, mas a imagem de mulher por trás
dessas políticas. E os ataques, angariados pelo patriarcalismo, vem abarcados
por ofensas pessoais dirigidas à mulher que alcançou a presidência e, por um
desejo enorme de calar a voz feminina que, durante séculos, se quis silenciada.
A figura feminina no centro
do poder incomoda exatamente porque desconstrói discursos com os quais muitos
de nós ainda insistimos em compactuar. E quando essa mulher tem um passado
político simbolizado por lutas em prol de conquistas democráticas; quando essa
mulher é a representação da resistência feminina à crueldade de um regime
ditatorial; quando essa mulher reconquista a liberdade não só para si, mas para
uma nação, ela incomoda ainda mais.
A imagem de mulher que ainda
se quer constante por muitos brasileiros é a que repisa o Brasil escravagista e
patriarcal: a imagem da mulher cujo corpo era objeto, simultaneamente, de
desejo e exploração; a mulher que remonta às crueldades do colonialismo
científico e à Saartijie Baartman, símbolo da menina escravizada, cujo corpo
foi exposto em museus, abarcando a falácia do exotismo do corpo negro.
Infelizmente, ainda somos o
país que olha para a figura feminina somente enquanto corpo. Não somos o país
que ressoa o discurso de abarcar as mulheres mais lindas do mundo cujas avantajadas
bundas (o que, não coincidentemente, retraz Saartijie Baartman e o cruel legado
escravagista acerca do corpo feminino) são o símbolo e a preferência nacional?
Não somos o país que, cotidianamente, violenta a mulher e ainda a culpa pelas
violências sofridas?
Diante da perspectiva de um
Brasil cujo legado é machista, quando uma mulher prova que mulheres não são de silicone, quando ela contesta a cruel ideologia machista que vê na mulher somente um corpo, realmente, ela, ainda, incomoda bastante.
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