quarta-feira, setembro 16

Quando a mulher incomoda...



Independentemente de opções partidárias, sempre que ouço os ataques à fala da presidente Dilma, a questão sobre qual é a importância, para um país cujas bases são escravagistas e que tem como um dos pilares o machismo, da primeira figura feminina no cargo de maior representatividade do país, me vem à cabeça.
Ao que parece, a imagem de poder feminino, aciona o histórico do patriarcalismo brasileiro que, por mais que nos esforcemos para superar, ainda persiste: a figura feminina no poder confronta o machismo fundante da nossa sociedade patriarcal. Muitas das vozes que fazem coro contra a presidente Dilma parecem entoar um contradiscurso não somente às políticas que rasuram a manutenção de privilégios angariados por uma elite ao longo de séculos, mas principalmente, à imagem de mulher que ela representa. O Brasil patriarcal não sabe como lidar com a figura feminina que foge aos padrões historicamente construídos e calcados no preconceito.  Se o problema fosse somente de ordem política, as muitas vozes que se emergem, contrariamente ao discurso da presidente, combateriam as propostas e implementações das políticas do governo, mas o que se vê é que, para além de guerrear contra as políticas afirmativas do governo, há explicitamente, um ataque a representatividade feminina no poder. Atacam-se não somente as políticas públicas, mas a imagem de mulher por trás dessas políticas. E os ataques, angariados pelo patriarcalismo, vem abarcados por ofensas pessoais dirigidas à mulher que alcançou a presidência e, por um desejo enorme de calar a voz feminina que, durante séculos, se quis silenciada.
A figura feminina no centro do poder incomoda exatamente porque desconstrói discursos com os quais muitos de nós ainda insistimos em compactuar. E quando essa mulher tem um passado político simbolizado por lutas em prol de conquistas democráticas; quando essa mulher é a representação da resistência feminina à crueldade de um regime ditatorial; quando essa mulher reconquista a liberdade não só para si, mas para uma nação, ela incomoda ainda mais.
A imagem de mulher que ainda se quer constante por muitos brasileiros é a que repisa o Brasil escravagista e patriarcal: a imagem da mulher cujo corpo era objeto, simultaneamente, de desejo e exploração; a mulher que remonta às crueldades do colonialismo científico e à Saartijie Baartman, símbolo da menina escravizada, cujo corpo foi exposto em museus, abarcando a falácia do exotismo do corpo negro.
Infelizmente, ainda somos o país que olha para a figura feminina somente enquanto corpo. Não somos o país que ressoa o discurso de abarcar as mulheres mais lindas do mundo cujas avantajadas bundas (o que, não coincidentemente, retraz Saartijie Baartman e o cruel legado escravagista acerca do corpo feminino) são o símbolo e a preferência nacional? Não somos o país que, cotidianamente, violenta a mulher e ainda a culpa pelas violências sofridas?

Diante da perspectiva de um Brasil cujo legado é machista, quando uma mulher prova que mulheres não são de silicone, quando ela contesta a cruel ideologia machista que vê na mulher somente um corpo,  realmente, ela, ainda, incomoda bastante.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GOLPES

Se você aprofundar a discussão mais um pouquinho pode ser que perceba que Hitler ainda está entre nós, agora vestido de verde e amarelo, ha...