quinta-feira, outubro 4

GOLPES

Se você aprofundar a discussão mais um pouquinho pode ser que perceba que Hitler ainda está entre nós, agora vestido de verde e amarelo, hasteando a mesma bandeira de ódio e entoando seu discurso de raiva, mais uma vez, contra os negros, os pobres, as mulheres e os homossexuais. Se aceitar sair da superfície e vasculhar um pouco mais a fundo na história, pode ser que entenda como se arquiteta um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo. Pode ser que compreenda como o machismo estruturado nas entranhas do poder patriarcal violenta Dilmas, Marielles, Marias, Joanas, a sua vizinha, a sua mãe, a sua avó e, até mesmo, você. Quem sabe assim entenda que os fascistas não fazem curvas à esquerda e que o vermelho que eles veneram é apenas aquele que escorre das mãos sujas que denunciam as mortes que carregam nas costas; que porte de arma garante a segurança da indústria bélica e não a sua; que bandido bom não é bandido morto, que sexualidade não é o mesmo que sexo? Se mergulhar nesse esgoto a céu aberto que te hipnotiza, quem sabe deixe a podridão da lagoa dos patos para nadar em águas mais limpas? Talvez assim compreenda as tramas de um enredo que a sua ignorância não lhe permite contestar. Quando deixar de acreditar no que te contam, pode ser que consiga se desvencilhar da alcunha de midiota de bem e assim, quem sabe? consiga produzir sentido para o hino da escola do carnaval passado que sambou sobre a sua ignorância, que cantou na sua cara o golpe e que você achou bonitinho simplesmente porque viu patinhos amarelos com os quais se identificou dançando por lá. Quem sabe assim compreenda que o Jesus que um dia te contaram que irá te salvar não fez parte da grande família tradicional; que ele foi concebido às margens, nas periferias do poder, ao som das pedras que você continua a lhe atirar? Quem sabe assim entenda que o jornal das oito oferta o nacional e atende as seis famílias tradicionais, das quais você não faz parte, e que arrecadam com o que é produzido entre o que o tio William te conta e o que o tio Sam veio aqui espionar. Pode ser, quem sabe?, talvez... Quem sabe aprenda que prisão em segunda instância é golpe e que golpes atingem violentamente, principalmente, aqueles que de costas para a história se deixam manipular?

domingo, abril 8

Por milésimos de segundos

Por alguns milésimos de segundo penso que talvez fosse mais fácil, para sobreviver ao país que se impõe hoje diante dos meus olhos, ser um midiota fanático, que cospe para cima e pensa acertar o adversário; que solta rojões para comemorar a própria desgraça. Talvez assim, não entendesse as estratagemas sórdidas de subversão de narrativas, que fazem com que um líder, que deixou o mandato com 87% de aprovação, incomode os donos do poder, a ponto de ter a sua imagem por anos, estrategicamente, desconstruída pela Rede do Golpe, em horário nobre. Talvez assim, não fosse possível vislumbrar os MECANIMOS de uma jogatina sórdida “com o Supremo, com tudo”. Talvez assim, não percebesse o mercado que âncora a real corrupção nesse país e trocasse as provas da sujeira nas negociatas que empreendem a compra do triplex na praia de Santa Rita pela convicção do triplex no Guarujá. Talvez assim, não precisasse perceber os “Panamá papers”, entender o que desvelam “offshores”, as guerras empreendidas pelo petróleo, que já foi nosso ... e assim, talvez, não compreendesse quem sustenta o quarto poder, quem patrocina a minha novela das dez. Talvez assim, mesmo comendo arroz com feijão, diariamente, acreditasse me sentar à mesa com a Casa Grande para apreciar os indigestos patos servidos no jantar. Talvez gostasse de Miami ou caminhasse por Portugal, inconsciente de que o mesmo vermelho que colore a paisagem de lá é o pichado por mim aqui. Talvez, por alguns milésimos de segundo, assim, convertida em midiota de bem, doesse menos ser brasileiro hoje.

Estado de exceção

Desmancham-se as instituições. Mancham-se de vermelho as mãos. E o sangue que escorre é negro, indígena, de matriz africana, marginal. Enquanto a “nobreza” reconstitui privilégios, angariando para si novas moradas, O índio, sem auxílios, ainda luta por oca, os quilombos ainda persistem às margens de uma história que reitera barbáries, O preto e pobre sem teto, sem casa, sem piso resiste nas periferias de um novo velho mundo. A bala que persegue pretos corpos, apagando existências, tem teto, endereço fixo e ressoa os ecos de um presente passado em que a liberdade nunca foi áurea. A bala que encontra o menino perdido, cerceando liberdades, aprisiona os sonhos de jovens corpos negros às cruezas de um Estado de exceção que se faz regra. O Golpe que atingiu Maria, Marielle, Rafael é o mesmo que acertou Zumbi? O fogo que queima na Maré é o mesmo que incendiou Palmares? Por que a injustiça sentenciada para Braga não atinge Borges? Por que os direitos delegados a poucos são sugados de muitos. É assim que a história vai, mais uma vez, capitalizando corpos? A quem interessa a política do medo? Quem dá munição ao que passa na televisão? Ao passo que o grande trauma brasileiro estrategicamente persiste, as vozes Marielle, Gonzalez, Dandara, Carolina, Firmina, mesmo que atingidas por golpes vários, resistem ao Estado de exclusão.

domingo, novembro 5

E-mail: lilianedeus@gmail.com
Lílian Paula Serra e Deus é mineira, natural de Belo Horizonte. Graduou-se em Letras, em 2008, pela PUC MINAS. Mestra em Literaturas de Língua Portuguesa, também pela PUC MINAS (2012). É Doutora em Literaturas de Língua Portuguesa (PUC MINAS), 2016. Atualmente, é professora adjunta na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB)



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Se você aprofundar a discussão mais um pouquinho pode ser que perceba que Hitler ainda está entre nós, agora vestido de verde e amarelo, ha...